Vamos imaginar no seguinte cenário. Uma empresa está tendo receita lenta ou em queda. O ajudante, seja ele o gerente, o CEO ou um consultor decide: “Tá vendendo pouco? Vamos investir mais no marketing! As pessoas não nos conhecem então vamos chamar mais atenção para os produtos que vendemos!” A empresa se queima com o passar do tempo com produtos que não correspondem ao que os clientes querem, o que provoca uma queda maior ainda nas vendas e uma dependência cada ver maior do marketing já que, se ela está investindo mais numa área, precisará necessariamente retirar o investimento de outras. A área alimentada precisará garantir a sobrevivência da empresa. O que aconteceria se ao invés de investir no marketing a empresa investisse melhor em Pesquisa e Desenvolvimento de produtos novos?
O cérebro e as decisões imediatistas
Nosso cérebro tem um funcionamento peculiar. Ele prefere segurança infeliz do que felicidade incerta. Não gostamos de coisas diferentes, caóticas, aleatórias. Preferimos coisas que se mantém ao invés daquilo que tem risco de mudar. Como preferimos certezas e abominamos o estresse do incerto, temos uma péssima propensão a resolver as coisas rapidamente e de acordo com o que já sabemos ou com o que já funcionou um dia.
Sem centramento, o que é percebido de um problema quando o cenário é complexo é somente sintoma. O que se manifesta é facilmente percebido. A consequência de movimentos maiores, mais profundos, anteriores e mais complexos, não. Olhamos para a consequência e achamos que resolvê-la será suficiente por causa daquela tendência do cérebro de não gostar de estresse que coisas incertas geram. Em termos de gasto cognitivo e energia psíquica, fazer rápido é sofrer menos.
Quanto mais fechada a visão, ou seja, quanto maior o esforço de buscar entender não o grupo de pessoas ou organização mas alguma parte que tem um problema, maior a chance de o ajudante dar uma solução instantânea. A visão cega chamamos isso de fidelidade sistêmica. Ela é tanto maior quanto maior o vínculo, atual ou do passado do ajudante. Isso acontece com o chefe, o dono da empresa, o consultor contratado ou algum membro de outro departamento que tenha o objetivo de analisá-lo como a gestão de pessoas. Você já viu esse emaranhamento em algum momento de sua vida. Quando você está com algum problema e desabafa com um conhecido, a pessoa responde “ahhh é só você fazer isso e isso” como se a solução fosse clara como acionar um interruptor para acender a luz. Você pode ter sido aquele que deu a solução! Ao ouvir alguém, você acabou falando “ahhh mas isso é fácil! É só você fazer tal e tal coisa de tal forma”.
Quanto mais fiel ao grupo envolvido menos investigamos e mais imediatamente damos uma solução. Quanto mais envolvidos emocionalmente com o grupo, seja pelo bem com carinho ou admiração ou pelo mal com críticas e dores, maior a fidelidade.
No caso de poucas vendas, isso significa mais dinheiro para o marketing.
Consequências da fidelidade nas vendas
Infelizmente, há consequências assumir essa postura. Por causa de um problema percebido a solução instantânea cria um problema secundário. Para essa dinâmica se manter e a organização garantir a sobrevivência, o investimento maior em marketing é englobado ao sistema, mantendo-o nessa nova estrutura. O sistema abraça esse novo elemento fazendo com que essa dinâmica faça parte dele a partir de agora. Repare que o sistema caminhava para um lugar o que a crise nas vendas começou a mostrar, mas a decisão de maior investimento acabou sendo um esforço para que ele voltasse ao que era. Essa ajuda tentou sanar o problema sintoma, mas criou problemas colaterais. Essa solução é chamada de solução sintomática. Somente o sintoma é endereçado. É como se o ajudante estivesse em uma peça de teatro tentando resolver o que está sendo apresentado pelos atores sem buscar o diretor, a trilha sonora, a iluminação, os roteiristas. É olhar para o ator, ver que ele está falando alguma bobagem ou atuando de forma ruim e então tentar corrigi-lo investigar mais profundamente para encontrar a fonte real do problema.
Na dinâmica em que o ajudante oferece uma solução superficial enquanto novos problemas surgem é chamada pela Donella Meadows de “shifting the burden” ou, numa tradução livre, mudança de fardo ou foco. Ao invés da raiz ser endereçada e devidamente solucionada, o ajudante atinge somente o sintoma. Acaba sendo englobado como uma célula tenta fagocitar um corpo estranho tornando-se um novo elemento do sistema que foi abraçado para manter sua integridade.
Soluções que sejam óbvias e imediatamente implementáveis são sedutoras. Na camada mais externa do ajudante, ele justificará que o problema precisa ser resolvido e tentará mostrar que sua ajuda é importante. Isso é agravado pelo fato de que elas podem apresentar alívio do sintoma rapidamente mesmo que temporariamente. Afinal, se a solução não mostrasse resultado não seria escolhida.
A grande questão aqui é a sustentabilidade e a ecologia. Esse tipo de solução é insustentável já que os problemas colaterais se mostrarão cada vez mais à medida que o tempo. A organização pode chegar a um ponto em que o objetivo inicial se torna totalmente bagunçado ou confuso. Pense nos grupos que você faz parte. Você tem plena consciência de qual é o motivo pelo qual faz o que faz em seu trabalho? Às vezes parece que o foco está em qualquer lugar menos os que geram mais valor?
Ajudas que não funcionam
Por isso que muitas intervenções não funcionam. O interventor acaba sendo abraçado e o sistema se torna dependente dele. A mudança se mantém somente se o novo elemento, seja o ajudante ou o investimento em vendas, se mantém. Quanto mais instantânea a solução e mais a sensação de certeza dela, maior as chances dela estar alimentando um erro sistêmico.
O trabalho de um consultor ou de um líder é o de ter ideia das dinâmicas sistêmicas e de ser verdadeiramente aberto em sua alma a expandir o olhar, captar perspectivas diferentes e ver que um elemento sempre está conectado a um todo. Assim, tem mais chances de encontrar uma solução sustentável e que seja boa para o todo e não localmente. Ele só pode fazer isso se renunciar ao que considera certo e tendo coragem de ir além do que se apresenta.
O que acontece na alma do ajudante para ele cair nesse tipo de padrão?
Esse tipo de problema é altamente sedutor sobretudo se o ajudante tiver em sua alma alguma característica de salvador ou alguma fome de reconhecimento de ser visto como um ajudante fodão. O salvador costuma querer mostrar que sabe resolver e não resolver em si. Isso acontece muito com profissões de ajuda. Se ele não for cuidadoso, vai tentar resolver, mostrar que dá conta e na vontade de ser importante perpetuar o novo funcionamento do sistema. Passa a sentir que o sistema só funciona com sua ajuda, o que é absurdamente sedutor. Ele se emaranha e sente-se bem com isso. Será que não existe uma forma de atuar sem se emaranhar criando um novo estado, ecológico e sustentável, para todos os envolvidos? É isso que a inteligência sistêmica faz.