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Problemas complexos e as ajudas inúteis

Você já se perguntou por que algumas intervenções de ajuda parecem não funcionar? Mesmo que tenham as melhores intenções, muitas vezes elas acabam atrapalhando mais do que ajudando. Essa é uma questão importante para refletir se você deseja enveredar pelo universo da complexidade. Descubra como essa abordagem pode fazer a diferença na sua capacidade de ajudar aqueles ao seu redor de maneira mais eficaz e consciente.

Exemplos de problemas complexos

Problema de vendas

Vamos imaginar no seguinte cenário. Uma empresa está tendo receita lenta ou em queda. O ajudante fala “Beleza! Tá vendendo pouco? Vamos investir mais no marketing! As pessoas não nos conhecem então bora chamar mais atenção para os produtos que vendemos!” A empresa se queima já que seus produtos não correspondem ao que os clientes querem, o que provoca uma queda maior ainda nas vendas a longo prazo e uma dependência crescente do marketing.  

Com o tempo, se ela está investindo mais numa área, precisará necessariamente retirar o investimento de outras. O que aconteceria se ao invés de investir no marketing a empresa investisse melhor em Pesquisa e Desenvolvimento de produtos novos?  

Problemas de desempenho de colaborador ou liderado

Agora imagine que um colaborador está tendo um problema de desempenho. Uma solução possível é a de microgerenciamento por parte do seu líder. Ele passa a olhar de perto o que o colaborador está fazendo e a controlar tudo, o que é muuuuito comum. Daí, se o gestor é necessário para que as coisas aconteçam, quando ele não estiver, nada acontecerá. A dinâmica se torna dependente da presença dele de tal forma que os liderados têm a produtividade diminuída quando ele não está. Surge o líder que tem orgulho de dizer que se ele não estiver presente nada funciona e que não pode tirar férias. Os liderados passam a ter pouca iniciativa para a criação de novas saídas, para arriscar novos processos, para tentar melhorar o que é feito e o clima será o de sempre acertar o que mina a confiança das pessoas umas nas outras.  

O que aconteceria se, depois de um BELÍSSIMO trabalho de investigação, fosse percebido que outra solução possível era coaching ou um novo treinamento para colaborador? Ou como todo o grupo reagiria se o ajudante buscasse entender o que aconteceu no processo onde ele está inserido que o fez mudar e perder a produtividade e atuar nele? E se o ajudante demisse o colaborador? 

Problemas de ajuda terapêutica

Esse tipo de padrão brota também em dinâmicas terapêuticas como na psicoterapia ou num processo de coaching. Imagine alguém com insônia. O ajudante, de acordo com suas atribuições logicamente, receita remédio para dormir. (Falo em atribuições porque não me venha dizer que coach ou qualquer um que não deveria fazer isso receita remédio). De repente, um problema colateral que surge é o de dependência química.  

O que aconteceria se além do remédio houvesse acompanhamento terapêutico para ressignificação de traumas emocionais e a criação de novos hábitos mais saudáveis de exercícios físicos e alimentação? 

Problemas de gerenciamento de projetos

Agora imagine uma filial de um escritório de engenharia que tem um problema grande que demanda mais do que as competências que ela tem. Esse é o problema sintomático. Ela foi alocada num projeto que demanda mais do que ela dá conta. A matriz, vendo isso, envia um grupo de profissionais sêniores que dariam conta disso enquanto os originais da filial se manteriam ocupados com outros projetos ou atividades mais rotineiras. Agora pensa: se isso não é muito comum, não compensa alocar permanentemente esses seniores na filial. Num primeiro momento, compensa mais enviá-los quando esse tipo de projeto aparecer.  

O que acontecerá com a filial ao longo do tempo se isso continuar a acontecer? O que profissionais que desejam crescer na carreira acabarão fazendo? O que acontecerá com os talentos da filial? E sua competência em solucionar problemas complexos? 

Problemas e Soluções Sintomáticos

Primeiro de tudo, quero comentar contigo um negócio que funciona com o nosso cérebro. Ele prefere segurança infeliz do que felicidade incerta. A gente não gosta de coisas diferentes, caóticas, aleatórias. Preferimos coisas que se mantém ao invés do incerto bom. Sabendo disso, falamos sobre problemas. Como preferimos certezas e abominamos estresse, temos uma péssima propensão a resolver as coisas rapidamente e de acordo com o que já sabemos que é certo.  

Infelizmente, tudo que percebemos de um problema é sintoma. Batemos o olho, vemos o que se manifesta e normalmente não percebemos que aquilo é a consequência de movimentos maiores, mais profundos, anteriores e mais complexos. A ideia em geral é que olhamos para a consequência e achamos que mexendo nela conseguimos saná-la por causa daquela tendência do cérebro de não gostar de estresse que coisas aleatórias geram. Pense por exemplo no problema de algum colaborador de uma empresa. Quanto mais fechada a visão, ou seja, quanto maior o esforço reducionista mecanicista de buscar entender o grupo de pessoas ou organização como mecanismo por parte do ajudante, seja ele o chefe, o dono da empresa, o consultor contratado ou outro departamento que tenha o objetivo de analisá-lo como no caso do RH ou de gestão de pessoas ou ainda alguém próximo do mesmo nível hierárquico que queira ajudar dando algum tipo de dica, maior a chance de o ajudante dar uma solução instantânea. Tenho absoluta certeza de que você já viu isso em algum lugar. Quando você está com algum problema e desabafa com um conhecido, a pessoa responde “ahhh é só você fazer isso e isso” como se a solução fosse clara como acionar um interruptor para acender a luz. Tenho também certeza que já caiu numa armadilha dessas. Ao ouvir alguém, você acabou falando “ahhh mas isso é fácil! É só você fazer tal e tal coisa de tal forma”.  

Quanto mais fiel ao grupo envolvido como ao ter dó ou gostar demais dos ajudados e mais tivermos a mente fechada, menos investigamos e mais imediatamente damos uma solução. 

No caso de poucas vendas, mais dinheiro para o marketing. 

No caso da liderança, microgerenciamento. 

No caso da insônia, remédio para dormir. 

No caso da baixa capacidade da filial, mande alguém da matriz. 

Infelizmente, há consequências assumir essa postura. Microgerenciamento é um saco. Esgota tanto o líder quanto o liderado. É cansativo, enfadonho. Se isso for feito de forma repetitiva, os impactos negativos são claros. Alguém terá que ficar no cangote dos outros e estes sentirão pessoas em seu cangote o que também é muito ruim. Isso pode gerar demissões desnecessárias, conflitos, estresse, aquela situação emocional em que alguém parece que está queimada de sol em que qualquer estímulo explode manifestando seu esgotamento.  

Problemas colaterais

O que aconteceu aqui? Por causa de um problema sintomático a solução instantânea criou um problema colateral. Para essa dinâmica se manter, esse líder é englobado e terá que ficar apertando o sistema e mantendo-o nessa nova estrutura que ele acha que é o correto para bancar que tudo tem que ser daquele jeito. O sistema abraça esse novo elemento fazendo com que essa dinâmica faça parte dele a partir de agora. Repare que o sistema caminhava para um lugar o que a crise da produtividade começou a mostrar, mas o ajudante se esforçou para que ele voltasse ao que era com o custo desse ajudante ser englobado na estrutura. Essa ajuda tentou sanar o problema sintoma, mas criou problemas colaterais. Essa solução é chamada de solução sintomática porque o sintoma é endereçado. É como se eu tivesse numa peça de teatro e estou resolvendo o que está sendo apresentado para mim pelos atores sem buscar o contrarregra, o diretor, a trilha sonora, a iluminação. Estou olhando para o ator, ele está falando alguma bobagem ou atuando de forma ruim então eu tenho de corrigir o ator ao invés de investigar mais profundamente para encontrar a fonte real do problema. 

Nessa dinâmica em que um problema sintomático surge, o ajudante oferece uma solução sintomática e novos problemas colaterais brotam é chamado de “shifting the burden” ou, numa tradução livre, mudança de fardo ou foco. Ao invés da raiz de tudo ser endereçada e solucionada o ajudante atinge somente o sintoma e acaba sendo englobado como uma célula tenta fagocitar um corpo estranho ou uma grande meleca que abraça o novo elemento e eu acabo virando um novo elemento do sistema que foi abraçado para manter sua integridade. Soluções que sejam óbvias e imediatamente implementáveis são sedutoras. Na camada mais externa do ajudante, ele justificará que o problema precisa ser resolvido e tentará mostrar que sua ajuda é importante. Numa visão imediatista, elas apresentarão alívio do sintoma rapidamente mesmo que momentaneamente. Afinal, se a solução não mostrasse resultado não seria escolhida. A grande questão aqui é a sustentabilidade. Esse tipo de solução é insustentável já que os problemas colaterais se mostrarão cada vez mais à medida que o tempo passa podendo chegar a um ponto em que o objetivo inicial do sistema se torne totalmente bagunçado ou confuso. 

O paradoxo da ajuda

Por isso que muitas intervenções não funcionam. O interventor acaba sendo abraçado o sistema se torna dependente dele. Esse tipo de consciência é bom se ter para não cair e ter cuidado com a auto importância. Quanto mais instantânea a solução e mais a sensação de certeza dela, maior as chances dela estar alimentando um padrão sistêmico.  

Um trabalho de um consultor, de um coach, de um terapeuta ou de um líder que tenha ideia das dinâmicas sistêmicas e que seja aberto em sua alma para expandir o olhar, captar perspectivas diferentes, ver que um elemento sempre está conectado a um todo. Assim tem mais chances de encontrar uma solução sustentável e que seja boa para o todo e não localmente. Ele só pode fazer isso se renunciar à autoimportância de achar que sabe muito e a coragem de ir além do que se apresenta.  

O que acontece na alma do ajudante para ele cair nesse tipo de padrão? 

Esse tipo de problema é altamente sedutor sobretudo se o ajudante tiver em sua alma alguma característica de salvador ou alguma fome de reconhecimento de ser visto como um ajudante fodão. O salvador costuma querer mostrar que sabe resolver e não resolver em si. Isso acontece muito com profissões de ajuda. Se ele não for cuidadoso, vai tentar resolver, mostrar que dá conta e na vontade de ser importante perpetuar o novo funcionamento do sistema. Passa a sentir que o sistema só funciona com sua ajuda, o que é absurdamente sedutor. Ele se emaranha e sente-se bem com isso. Será que não existe uma forma de atuar sem se emaranhar criando um novo estado, ecológico e sustentável, para todos os envolvidos? É isso que a inteligência sistêmica faz.

Faz sentido?

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