Como viciado em assuntos variados, percebi que precisava de uma forma de recuperar os zilhões de conteúdos que conhecia nos estudos, então mergulhei de cabeça no mundo do Zettelkasten. A promessa de um sistema que expande a mente e conecta ideias parecia irresistível. Mas, como todo bom aprendizado, o meu veio acompanhado de tropeços e frustrações. Acredito que compartilhar esses erros pode te poupar tempo e energia na sua jornada com o Zettelkasten.
1. O “Despejo de Informações”: Anotar Tudo, Sem Critérios
O primeiro erro, e talvez o mais comum, foi transformar meu Zettelkasten em um verdadeiro lixão de informações. Anotava tudo, de qualquer jeito, às vezes até copiando trechos inteiros de artigos e livros. Era um despejo indiscriminado de conteúdo.
Um Zettelkasten não é um depósito de informações. Não é uma alternativa para aquelas 235235 abas abertas no navegador que você “voltará a ler um dia”. Ele é um método de pensamento e reflexão através da anotação. O anotar precisa vir depois do método, como um processo de digestão e internalização do conteúdo.
Meu Zettelkasten continha técnicas terapêuticas, manuais, PDFs que eu usaria um dia, artigos científicos e notícias que julguei úteis para algum projeto futuro. Adivinha? Não usei praticamente nada disso.
A lição: Seja seletivo. Anote o que realmente ressoa com você, o que provoca uma faísca, uma pergunta. Não copie, reformule com suas próprias palavras.
2. A Síndrome do “Método Perfeito”: Métodos Prontos Que Não Servem Para Você
A internet está inundada de “boas práticas” de organização, gestão do conhecimento e produtividade. No meu entusiasmo, tentei implementar todas as técnicas que achava interessantes, imaginando que isso seria a chave para o sucesso. Não deu certo.
Um Zettelkasten tem como princípio ser orgânico, com desenvolvimento de dentro para fora (o famoso bottom-up). Isso significa permitir que coisas surjam dele para resolver algum obstáculo que surgiu durante seu uso, ao invés de colocar nele coisas prontas.
É como uma árvore: sabemos a medida que ela cresce, se precisa de poda ou certos tipos de nutrientes. Podar ou colocar fertilizantes baseado em um conhecimento prévio pode ser algo desconectado da realidade daquela árvore especificamente, mesmo que para árvores em geral seja bom.
Com a revisão de conteúdos sobre o assunto, reparei que permitir o crescimento orgânico é muito difícil de exercitar hoje em dia. A visão cartesiana está enraizada profundamente na nossa forma de ver a realidade. Isso significa ver algo desconectado do todo, analisá-lo e praticamente torcer em um ato de fé que ao colocá-lo de volta ele vai se comportar como previsto. É julgar que aquilo tem valor em si mesmo. Para permitir o crescimento orgânico, é preciso outro tipo de visão (carinhosamente chamada de base epistemológica). É preciso abandonar a ideia do que é certo para que formas adequadas surjam criativamente, conectadas ao uso naquele endereço no espaço e tempo, para aquela pessoa (no caso, eu ou você que está fazendo seu zettelkasten) de forma única ao invés do vício cartesiano de encontrar leis naturais reproduzíveis ou “as melhores formas de…”. Isso funciona muito bem para elementos que não tem tantas interconexões como parede, concreto, tijolo, eletricidade. Quando vamos para cenários em teia em que os elementos estão tão interconectados que a mudança em tem o potencial de influenciar todos os elementos, a visão cartesiano começa a falhar.
A lição: Adapte o Zettelkasten às suas necessidades e ao seu fluxo de trabalho. Experimente, observe o que funciona para você e descarte o resto. Não se prenda a regras rígidas.
3. Falta de Diálogo: Priorizar a Anotação em Detrimento da Reflexão
Niklas Luhmann, o criador do método, dizia que seu Zettelkasten era seu “parceiro de comunicação”. Mais do que um depósito de informações, o Zettelkasten é uma entidade com quem você dialoga.
Fazer um depositório de anotações não tem nada a ver com o método. É preciso fazer os diálogos. O livro do Sönke Ahrens sobre como escrever notas descreve boas práticas para isso: como fazer notas bibliográficas, como fazer notas permanentes a partir das bibliográficas, escrever perguntas nas notas, fazer notas efêmeras que podem ser apagadas depois de dias se não forem revisitadas (significa que você não precisa tanto assim daquele conteúdo portanto é um ato de disciplina riquíssimo). São práticas que manifestam esse dialogar e portanto muito além do mero jogar lá pensando “depois eu vejo” ou ainda “vai ser útil um dia”. Isso cria lixo inútil.
A lição: Não basta anotar. É preciso revisitar as notas, conectar ideias, fazer perguntas, desafiar seus próprios pensamentos. O Zettelkasten deve ser um espaço de diálogo interno.
4. Excesso de Estrutura: Pastas, Tags e Plugins Que Mais Atrapalham do Que Ajudam
Em mais uma escorregada para a forma cartesiana de pensar, fui fazendo construções “top down”: uma pasta para notas efêmeras, outra para notas permanentes, outra pra MOCs (Map of Content, ou um compilado sobre um assunto), informações sobre pessoas para garantir o network, projetos. Em todas as notas fiquei preocupado em criar tags para eventualmente achar tudo relacionado a certo assunto muitas vezes deixando o molho mais caro que o frango gastando mais tempo nisso do que na nota em si. Isso foi me instigando a criar métodos para ler essas tags então baixei plugins como o dataview para automatizar buscas sobre assuntos ou ver mais facilmente notas sem conclusão. Tudo isso só serviu para me afastar do objetivo do zettelkasten: dialogar para produzir conexões na forma de ideias com utilização prática. Me peguei mais preocupado com o método e como melhorá-lo do que em utilizá-lo, postura clássica da visão cartesiana.
A lição: Mantenha a estrutura simples e flexível. Não se preocupe em categorizar e etiquetar tudo. Deixe as conexões surgirem naturalmente. Use plugins com moderação, focando naqueles que realmente te ajudam a pensar.
5. Falta de Produção: Um Zettelkasten Inerte Não Serve Para Nada
Como medir se o diálogo através de notas está funcionando? Se existem produtos daquilo. A Nicole van der Hoeven tem um canal excelente no YouTube sobre seu uso do zettelkasten. Ela descreve que o processo precisa envolve a anotação, o processamento das notas, ou seja, formatá-las para que sejam atômicas e conectá-las com pelo menos uma outra nota e produzir alguma coisa com o que foi anotado. É uma forma prática de avaliar se o zettelkasten é simplesmente um cérebro velho e largado ou se serve verdadeiramente como parceiro de diálogo e produção de conhecimento e conteúdo. Essa parte fiquei devendo também. Dificilmente parei para organizar ideias na forma de notas em um produto como uma postagem de blog ou conteúdo de vídeo ou podcast.
A lição: O Zettelkasten não é um fim em si mesmo, mas um meio para gerar ideias, projetos e conteúdo. Use suas notas para escrever artigos, criar apresentações, desenvolver soluções para problemas. O objetivo final é transformar conhecimento em ação.
Conclusão
Minha jornada com o Zettelkasten foi uma montanha-russa de entusiasmo, frustração e aprendizado. Ao compartilhar meus erros, espero que você possa trilhar um caminho mais eficiente e produtivo. Lembre-se: o Zettelkasten é uma ferramenta poderosa, mas requer prática, reflexão e, acima de tudo, a disposição de adaptar o método às suas necessidades individuais.
Se você está lutando para implementar o Zettelkasten e gostaria de uma orientação personalizada, entre em contato para agendarmos uma consultoria!



